O STJ, no Resp 1.159.242/SP, analisou novamente a questão do abandono do filho pelo pai, se este abandono pode ou não ensejar responsabilização civil.
Nesse julgado, tendo como relatora a Ministra Nancy
Andrigui, o STJ entendeu que o pai, ao abandonar a criança, violou o dever jurídico de proteção, de cuidado, dever imposto aos pais pela lei e pela Constituição Federal. Sendo assim, por lesionar a integridade psíquica da criança, gera a possibilidade de dano moral presumido.
Ressalta-se que não foi aqui discutido o dever ou não de amar, e sim que a conduta omissiva do pai viola ou não um dever jurídico.
Segue:
DANOS MORAIS. ABANDONO
AFETIVO. DEVER DE CUIDADO.
O abandono afetivo
decorrente da omissão do genitor no dever de cuidar da prole constitui elemento
suficiente para caracterizar dano moral compensável. Isso porque o non facere que atinge um
bem juridicamente tutelado, no caso, o necessário dever de cuidado (dever de
criação, educação e companhia), importa em vulneração da imposição legal,
gerando a possibilidade de pleitear compensação por danos morais por abandono
afetivo. Consignou-se que não há restrições legais à aplicação das regras
relativas à responsabilidade civil e ao consequente dever de indenizar no
Direito de Família e que o cuidado como valor jurídico objetivo está
incorporado no ordenamento pátrio não com essa expressão, mas com locuções e
termos que manifestam suas diversas concepções, como se vê no art. 227 da CF. O
descumprimento comprovado da imposição legal de cuidar da prole acarreta o
reconhecimento da ocorrência de ilicitude civil sob a forma de omissão. É que,
tanto pela concepção quanto pela adoção, os pais assumem obrigações jurídicas
em relação à sua prole que ultrapassam aquelas chamadas necessarium vitae. É
consabido que, além do básico para a sua manutenção (alimento, abrigo e saúde),
o ser humano precisa de outros elementos imateriais, igualmente necessários
para a formação adequada (educação, lazer, regras de conduta etc.). O cuidado,
vislumbrado em suas diversas manifestações psicológicas, é um fator
indispensável à criação e à formação de um adulto que tenha integridade física
e psicológica, capaz de conviver em sociedade, respeitando seus limites,
buscando seus direitos, exercendo plenamente sua cidadania. A Min. Relatora
salientou que, na hipótese, não se discute o amar – que é uma faculdade – mas
sim a imposição biológica e constitucional de cuidar, que é dever jurídico,
corolário da liberdade das pessoas de gerar ou adotar filhos. Ressaltou que os
sentimentos de mágoa e tristeza causados pela negligência paterna e o
tratamento como filha de segunda classe, que a recorrida levará ad perpetuam, é
perfeitamente apreensível e exsurgem das omissões do pai (recorrente) no
exercício de seu dever de cuidado em relação à filha e também de suas ações que
privilegiaram parte de sua prole em detrimento dela, caracterizando o dano in re ipsa e
traduzindo-se, assim, em causa eficiente à compensação. Com essas e outras
considerações, a Turma, ao prosseguir o julgamento, por maioria, deu parcial
provimento ao recurso apenas para reduzir o valor da compensação por danos
morais de R$ 415 mil para R$ 200 mil, corrigido desde a data do julgamento
realizado pelo tribunal de origem. REsp 1.159.242-SP,
Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 24/4/2012.